domingo, 21 de junho de 2009


O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

**
Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só
Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.
**

Todos os dias agora acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava com sensação nenhuma: acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.

Não sei o que hei de fazer das minhas sensações,
Não sei o hei-de ser comigo.
Quero que ela me diga qualquer coisa par eu acordar de novo.


O pastor amoroso,
Alberto Caeiro



Nota: Supostamente são 3 poemas diferentes mas eu leio-os como um todo, são os meus preferidos de Caeiro, que é o meu heterónimo preferido! Sou mais fã de prosa do que de poesia mas no 12º 'apaixonei-me' por Fernando Pessoa e desde então leio poesia com outros olhos.

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